“O Estado quer desfazer-se de muitos activos que tem” Entrevista PR João Lourenço

 In Economy, Entrevista

“O Estado quer desfazer-se de muitos dos activos que tem, por sentido que esse espaço deve ser ocupado pelo sector privado”, disse, ontem, o Presidente da República, numa entrevista colectiva a cinco órgãos de imprensa. João Lourenço acrescentou que o Estado deve retirar-se e, ao mesmo tempo, o setor privado deve crescer, engajar e assumir o espaço necessário pelo Estado. “Só assim é que vale a pena o Estado se retirar”, garantiu. Em cerca de duas horas de conversa com os jornalistas, o Chefe de Estado responde a perguntas ligadas ao investimento privado, aos financiamentos externos, além de ter feito uma incursão à política interna.

Senhor Presidente da República, a principal bandeira do seu Governo tem sido o combate à corrupção e o fim da impunidade. Porém, com a Lei da Probidade Pública em vigor, é difícil ao cidadão comum contribuir, por estar impedido de avaliar o património dos candidatos a cargos públicos, por ser um direito exclusivamente reservado à Procuradoria-Geral da República, onde depositam a relação dos mesmos . Não acredita que, para maior transparência e desincentivo à ida esses aos cofres públicos, o melhor seria que qualquer cidadão angolano, acesso à relação discriminada do património de todos que gerem bens públicos, antes e depois de assumirem como funções?

Muito obrigado. Em primeiro lugar, gostaria de dizer que a grande bandeira da minha governação não é o combate à corrupção. A grande bandeira da minha governação é a diversificação da economia e a criação de empregos. Só que, para se conseguir cumprir com este objetivo, precisamos de ter um bom ambiente de negócios, baseado na boa governação e aí é onde aparece o combate contra uma corrupção, entre outras medidas importantes que sendo eliminadas desde o início do meu mandato, no Sentido de melhorar o tal ambiente de negócios. Portanto, o combate à corrupção é uma acção que é importante, neste quadro que acabei de citar. Ela, esta luta, enquadra-se na criação do bom ambiente de negócios, para que possa atrair investimento privado, não importa se estrangeiro ou nacional, aumentar, com isso, a produção, com a diversificação da economia e,

Diz, e muito bem, que a Lei da Probidade obriga os servidores públicos, nos 30 dias após à nomeação, a apresentaem uma declaração de bens. Quando é nomeado para uma função pública não é um castigo, antes, pelo contrário, deve ser encarado como um reconhecimento das qualidades académicas e não só, experiência de trabalho em outros setores e até fora da Função Pública que este cidadão conseguiu, ao longo do ritmo, acumular. E, então, em reconhecimento a isso, pode ser convidado a passar a ser um servidor público, como ministro, governador, deputado, enfim, qualquer outra função. Portanto, não sendo um castigo, o servidor público goza dos mesmos direitos que qualquer outro cidadão goza, direitos conferidos pela Constituição e pela lei.São muitos os direitos que os cidadãos gozam, nomeadamente, ao bom nome, à defesa do bom nome, da conhecida, à protecção dos dados pessoais, ao sigilo bancário. Todos esses direitos mantêm-se válidos, mesmo após ter sido nomeado para uma função pública. E não é à toa que o legislador determinou que essa declaração de bens é colocada num envelope lacrado entregue à Procuradoria-Geral da República.Se este servidor público não cometer nenhum crime, nomeadamente, crime contra a economia ou, como se diz, de “Colarinho Branco”, nem mesmo a PGR está autorizado a abrir esse envelope, ou seja, a PGR funciona apenas como um fiel depositário da Justiça ou, se quisermos, do Estado, porque esse envelope só pode vir a ser aberto um dia, se for caso disso, se esse mesmo servidor público infringir a lei. Se ele infringir a lei, estiver a contas com a Justiça, só um juiz ou, se quisermos, a Justiça, pode determinar a abertura desse mesmo envelope lacrado, onde contém uma declaração de bens desse mesmo servidor público. Se, durante o seu mandato, como servidor público, sair com a folha limpa, ou seja, não cometer nenhum crime contra a economia, peculato e outros, esse envelope jamais será aberto.Portanto, isto é uma forma de proteger o bom nome a que todos os cidadãos têm direito, incluindo aqueles que, em determinado momento da vida, passam a ser servidores públicos. Eu não conheço nenhuma democracia em que, após algum cidadão ser nomeado para um cargo, todos os cidadãos desse país, e nesse caso não seriam só desse país, porque o mundo hoje é globalizado, saberiam toda a sua vida, o que é que tem e não tem, que contas bancárias tem, em que bancos, quanto tem. não cometer nenhum crime contra a economia, peculato e outros, esse envelope jamais será aberto. Portanto, isto é uma forma de proteger o bom nome a que todos os cidadãos têm direito, incluindo aqueles que, em determinado momento da vida, passam a ser servidores públicos. Eu não conheço nenhuma democracia em que, após algum cidadão ser nomeado para um cargo, todos os cidadãos desse país, e nesse caso não seriam só desse país, porque o mundo hoje é globalizado, saberiam toda a sua vida, o que é que tem e não tem, que contas bancárias tem, em que bancos, quanto tem. não cometer nenhum crime contra a economia, peculato e outros, esse envelope jamais será aberto. Portanto, isto é uma forma de proteger o bom nome a que todos os cidadãos têm direito, incluindo aqueles que, em determinado momento da vida, passam a ser servidores públicos. Eu não conheço nenhuma democracia em que, após algum cidadão ser nomeado para um cargo, todos os cidadãos desse país, e nesse caso não seriam só desse país, porque o mundo hoje é globalizado, saberiam toda a sua vida, o que é que tem e não tem, que contas bancárias tem, em que bancos, quanto tem.
Os cidadãos têm o direito de ver a sua vida protegida, mesmo sendo servidores públicos, porque não podemos partir do princípio que, à partida, os servidores públicos são delinquentes. Até prova em contrário, são gente de bem. Se depois a Justiça exigida, que afinal de contas, enganou-nos, não é gente de bem, só a Justiça, se assim entendido, pode então violar esse envelope que contém uma declaração de bens, pode levantar o sigilo bancário a que todos temos direito. E, a partir daí, todo o mundo passará a saber de toda a verdade, uma vez que, em princípio, como julgamento de julgamento nos tribunais são públicos. Portanto, a partir desse momento, se as pessoas têm uma curiosidade de saber o que tem e o que não tem, quanto é que tem na conta bancária, em que bancos e se no país ou fora do país vem a público.

Quatro grupos económicos (Gemcorp, Carrinho, Omatapalo e Mitrelli) têm ganhado a maioria das obras, contratos de fornecimento e de gestão  do Estado e titularidade de outros bens económicos, na maioria dos casos, por adjudicação directa ou contratação simplificada. Que relação têm esses grupos com a Presidência da República? Esta concentração e aumento exponencial na actividade económica não vai criar os mesmos problemas que tivemos na presidência de José Eduardo dos Santos, quando também concentrou o poder económico em meia dúzia de pessoas e que, ainda hoje, está a ser resolvido pelo seu Governo? Isso não afasta bons investidores? Não afecta a imagem de transparência que tem sido uma das bandeiras da vossa governação?

Grande parte das empreitadas de obras públicas, contrariamente ao que diz, não está nas mãos dessas quatro empresas que citou. Aliás, alguma delas, pelo menos uma, nem está vocacionada para empreitadas de obras públicas. Dedica-se a outras coisas. Quem tem, neste momento, a grande concentração de empreitadas de obras públicas no país são empresas chinesas. Não apenas pelo número de projectos que executam, como, também, pelos valores avultadíssimos que representam. Isso pela dimensão e envergadura dos projectos que executam. Não é nenhuma dessas empresas que citou que está, por exemplo, a construir a Barragem de Caculo Cabaça, o novo Aeroporto de Luanda, o Porto de Cabinda, as barragens e canais que puxam água do rio Cunene, numa extensão de quase 200 quilómetros, para servir as populações vítimas de seca na província do Cunene. Então, não sei onde é que foram buscar esses dados de que se está a privilegiar esses quatro grupos, que, na verdade, já tive a ocasião de provar que não.

Mas a minha resposta não fica por aqui. Vamos analisar, um pouco, o que têm essas quatro empresas? Que negócios do Estado essas quatro empresas têm? A Gemcorp é uma empresa sedeada em Londres e que, de 2016 a esta data – lembrem-se que em 2016 eu não era Presidente -, financiou 2.4 mil milhões de dólares à economia angolana, sobretudo para projectos nos sectores da Defesa e Segurança, Saúde e Energia e Águas. Agora, no final do ano, creio que foi no mês de Novembro, assistimos ao lançamento da primeira pedra de dois novos projectos de combate à seca no Sul de Angola, puxando água do rio Cunene. Não me estou a referir ao projecto do Cafu, que está a terminar e que vai ser inaugurado em breve. São dois novos projectos, cujas primeiras pedras foram lançadas, se não estou em erro, em Novembro de 2021, pela ministra de Estado para a Área Social, Carolina Cerqueira. Quem financiou, não a totalidade, mas uma boa parte desses dois projectos que estão em vias de arrancar foi a Gemcorp. Além desses financiamentos que concedeu, está a construir, em Cabinda, uma refinaria de petróleo, que vai produzir 60 mil barris de refinados por dia, dos quais, numa primeira fase, ainda este ano. Esperamos que até meados deste ano tenha a primeira fase concluída e começa, imediatamente, a produzir metade dessa produção estimada. Portanto, começa a produzir 30 mil barris por dia de refinados de petróleo para servir a província de Cabinda e acredito que acabará por ter algum excedente para servir os países vizinhos, nomeadamente, a República Democrática do Congo (RDC), uma vez que o outro Congo tem produção de petróleo e tem uma grande refinaria em Ponta Negra. Portanto, talvez não necessite dos refinados produzidos em Cabinda. E cito esse caso particular porquê? Para dizer que esse projecto da refinaria de Cabinda, que a Gemcorp está a executar, é privado. Não é um projecto público. O Estado angolano não vai pagar absolutamente nada nos próximos anos à Gemcorp, ou seja, esse projecto da refinaria de Cabinda não constitui dívida pública, antes, pelo contrário, a Sonangol ganhou 10 por cento nessa refinaria sem encargos, portanto, até foi um ganho. Em relação à Gemcorp, não sei que privilégio está a obter do Estado angolano, uma vez que, como citei, até aparece como financiador.

Grupo Leonor Carrinho, de Benguela, é um grupo que está a despontar, ultimamente, que começou do nada, de pequeno e foi crescendo, se consolidando ao longo dos últimos anos e, hoje, é o grupo que todos nós conhecemos. Fui eu quem inaugurei, em Benguela, a indústria de transformação de produtos alimentares, que creio ser a maior do país, neste momento. Que eu saiba, o Estado não pôs um tostão nesse projecto do grupo Leonor Carrinho. Recorreram a fundos próprios, dos negócios privados que foram tendo ao longo dos anos. Obviamente que não seria suficiente para erguer um gigante como aquele, por isso, recorreram à banca comercial. E, se a banca comercial financiou, significa dizer que têm credibilidade. Caso contrário, a banca comercial não arriscaria. É importante dizer que o Executivo angolano está empenhado em tudo fazer no sentido de reduzir, de forma significativa, a presença do Estado na economia. A nossa economia está demasiadamente estatizada. O número de empresas públicas é muito grande, daí a razão do surgimento do Propriv. O Estado quer se desfazer de muitos dos activos que tem, por entender que esse espaço deve ser ocupado pelo sector privado. O Estado deve retirar-se e, ao mesmo tempo, o sector privado deve crescer, engajar e assumir o espaço deixado pelo Estado. Só assim é que vale a pena o Estado se retirar.

Neste quadro, o Executivo angolano negociou, com o Deutsche Bank da Alemanha,  a abertura de uma Linha de Crédito no valor de 1.0 mil milhões de Euros, para financiar, exclusivamente, o sector privado angolano e esta linha está disponível, se não estou em erro, há dois ou três anos. Parece-me ser há três anos. Isso é de domínio público. Anunciei a disponibilidade dessa Linha de Crédito num encontro que tive com a classe empresarial, no Centro de Conferências de Talatona. Disse-lhes para aproveitarem essa Linha de Crédito, porque era para eles, o sector privado. Passado esse tempo, apenas uma única empresa privada angolana conseguiu provar que estava habilitada a beneficiar dessa mesma Linha de Crédito. Como é óbvio, o dono do dinheiro, que é o credor, impõe condições. Para o caso dessa Linha de Crédito, importa dizer que quem beneficiar dela fica coberto por uma Garantia Soberana do Estado angolano. É dos poucos casos que decidimos dar Garantia Soberana. A única empresa privada angolana que provou estar habilitada a beneficiar desse crédito, num valor abaixo de 200 milhões de Euros, chama-se Leonor Carrinho. Bom, a pergunta que se põe é: é o Executivo angolano que gosta tanto de Leonor Carrinho, que impediu que os outros entrassem? Disse Leonor Carrinho, esta linha é toda para si? Não, tanto é assim que ainda estão disponíveis 800 milhões de Euros.

Algumas vezes vamos perguntando aos nossos empresários o que se passa? É uma vergonha! Perante o credor, perante o banco alemão, o que é que nós angolanos vamos dizer?

Que imagem é que estamos a passar? A gente luta para conseguir financiamento lá fora, neste caso até nem é para financiar obras públicas, é para financiar o sector privado. E de 1.0 mil milhões de Euros, em três anos, ainda não consumimos, mas temos garantidos que se vai consumir 200 milhões de Euros, apenas? Qual é a imagem que a gente está a passar? Portanto, isso para dizer que se o Grupo Leonor Carrinho é o único que conseguiu passar no exame significa que é o único que conseguiu dar garantias  reais, talvez não de património, mas de organização empresarial, de contabilidade; talvez conseguiu dar essas garantias, quer ao credor, o banco credor, quer ao Executivo angolano, que emitiu a Garantia Soberana. No caso de o tomador do crédito não honrar com a sua palavra, o Estado funciona como uma espécie de fiador, ou seja, a responsabilidade recai sobre o fiador.

O Grupo Mitrelli, entre 2012 e 2013, financiou o Estado angolano em sete mil milhões de dólares. E, com esses recursos, foram construídas nove centralidades em Angola, que, na sua maioria, já estão habitadas. São cerca de 27.500 fogos habitacionais a favor da nossa população. Estou a referir-me às centralidades do Lussambo, da Caála, do Bailundo, do Cuito, do Andulo, do Uíge, sendo a mais recente a do Sumbe. Portanto, são, no total, nove.

Perdoem-me que não consigo citar as nove. Essas centralidades estão aí, para quem quer ver, têm qualidade e estão a servir o objectivo para o qual foram construídas. Além disso, dessa facilidade de crédito no valor de sete mil milhões de dólares, mais recentemente, ou seja, entre 2020 e 2021, o Grupo Mitrelli está a financiar, porque é algo que está em curso, 1.7 mil milhões de dólares na construção da Comissão Nacional Eleitoral, do Centro Nacional de Escrutínio, cuja obra vai terminar em breve, construção e apetrechamento dos novos hospitais do Bengo, do Cuanza-Sul, do Cuanza-Norte, do Militar Central, que nada tem a ver com o actual, e o Universitário. As obras estão a começar e são todos hospitais com 200 camas. Além disso, está a financiar três mil fogos habitacionais na província de Cabinda, mil fogos habitacionais no Bengo, igual número no Cunene, a construção de dois estádios de futebol, nomeadamente, nas províncias do Huambo e do Uíge, e a conclusão das obras do Centro de Ciência e Tecnologia, em Luanda. Se passou alguma coisa, será, talvez, a linha de transporte de energia Sumbe-Gabela.

A OMATAPLO é uma empresa nacional, de uma grande dimensão e que está à altura de executar grandes empreitadas de obras públicas. Construiu a Arena Pavilhão Gimnodesportivo de Luanda, nas proximidades do Estádio Nacional 11 de Novembro, e tem outras obras importantes. Acaba de entregar ao Estado o novo Complexo Hospitalar Cardio-Respiratório Cardeal Dom Alexandre do Nascimento. Todos os países querem ter, nesse domínio de obras públicas, empresas da dimensão da OMATAPALO. Diria que o nosso objectivo não é ter uma OMATAPALO, mas três, quatro ou cinco OMATAPALO. E essa empresa, a exemplo da Leonor Carrinho, também foi crescendo. Que a gente saiba, pelo menos, a PGR não nos diz nada, a fonte de financiamento da empresa, além das obras que faz, não são ilícitas, até prova em contrário, e, portanto, o Estado não pode prescindir de uma empresa como esta. Não é para ser combatida, antes, pelo contrário, é para ser acarinhada. Como todas as outras, que, pelo seu trabalho, demonstrarem merecer esse mesmo carinho por parte do Estado.

O país já teve empreiteiras de vários países, entre brasileiras, portuguesas, agora tem chinesas, vêm aí as turcas, mas é importante que não fiquem só elas. É obrigação do Executivo criar condições no sentido de, a par dessas empresas gigantes, que vêm de fora, termos, também, empresas nacionais privadas e que não sejam privadas que vão buscar dinheiro à Sonangol, à Endiama,  Sodiam, que não vão buscar dinheiro às empresas públicas em condições menos claras. A OMATAPALO, de alguma forma, também tem financiado o Estado. Como? Regra geral, as empresas deste domínio não começam uma obra sem que o dono lhes pague  aquilo a que se chama “down payment”, normalmente, vai entre 10 e 15 por cento. Quando uma empresa aceita dar início às obras de construção e reconstrução de uma unidade como o antigo Sanatório de Luanda, sem receber um tostão do Estado, é uma forma de financiar o Estado. Está a financiar o Estado, tem confiança em que o Estado é uma pessoa de bem, que, mais cedo ou mais tarde, vai pagar. Iniciou a obra. Aceitou o desafio. As condições em que encontrámos o Hospital Sanatório de Luanda, naquela altura, não dava para esperar, nem mais um dia.

E, na sua pergunta, diz se eu não temo que venha a acontecer o mesmo que aconteceu no passado, em que os negócios do Estado estavam concentrados num pequeno grupo de empresas.  Esse pequeno grupo de empresas, no passado, tinha a atenção do Estado, mas era de forma diferente. Que eu saiba, elas nunca financiaram o Estado. Não vou citar nomes, mas todos sabemos quais são as tais empresas (o jornalista diz que nós estamos a procurar corrigir o que se passou no passado e parece que estamos a fazer o mesmo, no fundo é isso que quis dizer e eu estou a provar que não). Essas empresas que no passado eram protegidas (e eu já provei que essas quatro não estão a ser protegidas) nunca financiaram o Estado. Antes, pelo contrário, iam às empresas públicas, Sonangol, Endiama, Sodiam e até ao BNA, buscar o dinheiro do Estado em condições muito pouco claras.

Daí a razão dos processos que estão agora em curso. Portanto, não tem comparação possível. As empresas Gemcorp e Mitrelli trazem financiamento para o Estado. Temos recebido dezenas de propostas de financiamento de empresas do mundo fora. É obrigação do Estado fazer, primeiro, aquilo a que se chama de “due diligence”. Algumas são chumbadas logo nessa fase inicial, não dão provas de credibilidade. Muitas vêm com propostas de financiamento de valores que, de tão grandes que são, como se diz na gíria, o pobre desconfia. Propõem-se financiar ao Estado angolano valores de 50 mil milhões de dólares. E perguntamos-lhes que outro tipo de financiamento é que a sua empresa já deu a outros Estados pelo mundo a fora? Não conseguem responder à pergunta. Ou, em muitos casos, as condições de financiamento são gravosas, taxa de juro, período de maturidade, para o reembolso. São condições gravosas, por essa razão, o Estado está no direito de dizer que não está interessado.

Portanto, há muitas propostas que nos surgem, mas nessas condições não estamos interessados. No caso dessas empresas, Gemcorp e Mitrelli, os financiamentos que vêm dando ao Estado angolano são submetidos ao mesmo crivo e, após um período de negociação, a nossa autoridade competente, que é o Ministério das Finanças, conclui que sim, é de se aceitar, porque as condições não são gravosas. Aí a gente aceita. Importa referir que quer no caso de uma, quer no caso de outra, os financiamentos que eles concedem não estão sujeitos nem à colateral petróleo. Em relação à Mitrelli, no passado, esteve sujeito à colateral petróleo, mas, após algum trabalho que fomos fazendo ao longo desses três, quatro anos, conseguimos descontinuar essa obrigação e desde os últimos meses de 2021 que nos livramos desta obrigação da colateral petróleo para os financiamentos concedidos pelo grupo Mitrelli.

De igual forma, esses financiamentos não requerem do Estado angolano nenhuma Garantia Soberana. Não foram concedidas garantias soberanas nem a Gemcorp, nem à Mitrelli para provar que algum dia o Estado angolano vai honrar com a sua obrigação de devolver o dinheiro. Para concluir, sobre essa questão, dizer que temos financiado a nossa economia a partir de várias fontes, linhas de crédito Estado-Estado. Já tivemos do Brasil, de Portugal, em que os valores oscilam, às vezes são altos, às vezes não; temos de Espanha, os valores também oscilam, às vezes são altos, às vezes são baixos, sempre sem garantia de petróleo. Do Brasil tinha garantia de petróleo. Mas, igualmente, como conseguimos com o financiamento do Grupo Mitrelli, em relação ao Brasil também.

Antes de liquidar a dívida, livramo-nos dessa obrigação de garantia de petróleo. Temos financiamento Estado a Estado com a China. Com relação a essa linha de financiamento, não conseguimos ainda alcançar o objectivo de nos livrarmos da garantia de petróleo.

É a única excepção. Fruto das reformas que vimos fazendo na nossa economia, do melhor ambiente de negócios, que nesses últimos quatro anos foi criado no país, além dessas linhas Estado a Estado, ainda temos beneficiado de financiamento dos Eurobonds, isto é prova de credibilidade. Temos beneficiado de financiamentos mais recentes, quer do Banco Mundial, quer do Fundo Monetário Internacional, com quem terminámos um acordo em Dezembro e acredito que “saímos bem na fotografia” neste acordo com o FMI. Vamos continuar a nossa parceria com eles noutros moldes. E financiamento à nossa economia também, com este tipo de financiamento de empresas que dizem que vêm executar projectos em Angola, mas trazem o financiamento “para vocês analisarem. Se estiverem de acordo com as condições de financiamento, então executamos”. Isto é jogo claro e limpo. E, finalmente, outra forma de financiar os nossos projectos públicos são os Recursos Ordinários do Tesouro, mas, para as grandes empreitadas, é óbvio que, sempre que possível, devemos evitar este tipo de financiamento.

“O país vai crescer, não importa se muito ou pouco”

Em 2017, considerou uma ofensa a investigação, então em curso na Justiça portuguesa, contra o ex-Vice-Presidente Manuel Vicente, um dos nomes ligados ao antigo Presidente, e exigiu que o caso fosse entregue à Justiça angolana, o que foi feito por Portugal. Desde então, não foram conhecidos quaisquer desenvolvimentos a nível destes processos, ao contrário de outros casos mediáticos, como o dos filhos de José Eduardo dos Santos. Esta situação aparente de dois pesos e duas medidas não coloca em causa a imagem de luta anti-corrupção que sempre quis associar ao seu mandato? Acredita que em 2022, com o fim das imunidades, o processo vai avançar?

No início do meu mandato, houve, de facto, se me permitem essa expressão, uma espécie de braço-de-ferro entre dois países amigos que se querem bem, Angola e Portugal, pelo facto de a Justiça portuguesa, na altura, ter pretendido julgar e, eventualmente, condenar o ex-Vice-Presidente da República de Angola. Angola bateu o pé, porque, nesse domínio, de cooperação judiciária, existem acordos entre os  nossos dois países e os acordos são para ser cumpridos. Portugal acabou por remeter o processo a Angola, porque teve o bom-senso de reconhecer que os acordos são para ser cumpridos e, sobretudo, quando é entre  países amigos. Mas, se me permitem, a razão que acabei de evocar e que esteve na base da remessa do processo para Angola foi importante sim, mas talvez não seja a única. A verdade é que, os Estados que se prezam não aceitam que a este nível de Presidentes ou ex-Presidentes, Vice-Presidentes ou ex-Vice-Presidentes, no caso de cometerem crime que têm ligação com outros países, sejam julgados e condenados fora do seus países, fora de Angola, no caso.

Eu penso que se a situação fosse inversa, Portugal teria agido da mesma forma. Eu não estou a ver Portugal a aceitar que um ex-Presidente português, um ex-Primeiro-Ministro português, que,  eventualmente, tenha cometido um presumível crime com alguma ligação a um país africano, seja qual for, Angola ou outro, que essa entidade oficial do Estado português ou de qualquer outro Estado europeu, a este nível, fosse julgada em África.

Se me disserem que sim, bom, então vou rever a minha posição, mas eu não acredito que alguém tenha a coragem de dizer que sim. Portanto, por essas razões é que Angola defendeu a sua soberania. A defesa da nossa soberania não é feita apenas de armas na mão, com os canhões ao longo da fronteira para evitar a evasão de outros países. Aqui é uma forma de defesa da soberania, mas há outras formas de defesa da soberania e, nesse caso concreto, não permitir que um ex-Presidente ou ex-Vice-Presidente seja julgado e condenado fora, sobretudo, nos casos em que há acordos de cooperação judiciária.

E, com este exercício de defesa da soberania, nós não estamos a dizer, de forma nenhuma, que não há crime. Quem somos nós para dizer isso?

Mas também não estamos a dizer que, com a recepção do processo a partir de Portugal, o processo está arquivado. Eu, pelo menos, nunca ouvi da parte da Procuradoria-Geral da República informação neste sentido. Portanto, se o processo não está arquivado e se ele beneficia do estatuto de ex-Vice-Presidente da República, o Estado, portanto, a Procuradoria- Geral da República, para esse caso específico, tem que ser o primeiro a cumprir o que dizem os estatutos dos ex-Presidentes e ex-Vice-Presidente. O que a PGR está a fazer é cumprir. O que vai acontecer daqui para frente, quando  perder essa condição, a protecção que a lei lhe confere, porque esse estatuto é uma lei, a Justiça sabe o que fazer. Não tenho que ser eu a dizer que caminhos seguir. Eu só devo dizer-lhe que não tenho conhecimento que o caso dele tenha sido arquivado. Então, se não foi arquivado, não vejo razão de tanta preocupação!
Não há dois pesos e duas medidas. Primeiro, é que as outras figuras que acabou de citar não estão cobertos pelo estatuto de ex-Presidente ou de ex-Vice-Presidente. Nenhuma delas, das que citou, foi nem Presidente, nem Vice-Presidente. Não estão cobertos por esse estatuto. Segundo, passa-se a ideia de que o que se pretende é que a nossa justiça passe a ser, efectivamente, selectiva. Os que dizem que hoje a Justiça angolana já é selectiva são essas mesmas pessoas que, com esses argumentos que acabei de ouvir, pretendem que ela passe a ser selectiva. E selectiva na base de quê? Selectiva na base da filiação das pessoas que estão a contas com a Justiça? É filho de quem? E a Justiça não pode cair nesta armadilha de dizer que se é filho de não pode ser tocado, sob pena de se dizer que há perseguição.

De 2017 à presente data, a Procuradoria-Geral da República instruiu mais de 2.300 processos. Processo apenas ou chamados de crimes de “colarinho branco” ou, se quisermos, crimes contra a economia. Mais de 2.300 instruídos. Desses processos instruídos, 330 transitaram em julgado, dos quais 26 terminaram com condenações, algumas das quais em segunda instância. Ou seja, o Tribunal condenou, o condenado recorreu, está no direito de o fazer, nos termos da lei. Houve um segundo julgamento, por isso em segunda instância, e, nos casos que conheço, esse segundo julgamento não ilibou ninguém. Digamos que ajustou as penas, quase sempre para baixo, mas manteve as penas de prisão.

Quem apanhou 14 anos, inicialmente, na segunda instância, o Tribunal acabou por confirmar para oito, nove anos. É mais ou menos essa decalagem entre a pena da primeira instância e da segunda, dos casos que nós conhecemos. Portanto, a Justiça está a ser selectiva como? Os 26 condenados também têm pai, também têm família, também merecem o mesmo respeito e consideração da sociedade e tratamento condigno das autoridades. Então esses 26 condenados ou grande parte deles não estão a ser perseguidos?

Foram condenados pelo mesmo tipo de crime, corrupção, peculato. Por que é que não se diz que está haver perseguição? Portanto, eu acho que devem parar com esta ladainha da perseguição aos filhos da entidade A ou da entidade B. O critério deve ser e tem sido, penso, pela Justiça, pelos responsáveis pela Justiça. O critério tem sido cometeu o crime ou não cometeu? E o que se pretende é que se diga é filho de António ou é filho de Fernando? Qual é o critério válido? A Justiça só pode ter uma forma de agir, Quando alguém é apresentado à Justiça, qual deve ser a preocupação da Justiça? Esse cidadão, até prova em contrário, é inocente.  A nossa missão é provar se ele cometeu o crime ou não cometeu o crime. Em que circunstância cometeu, caso tenha cometido, e se deve ser condenado ou não, que pena dar dentro da moldura penal que a lei prevê. Agora, a Justiça não pode estar preocupada com de quem é filho. E o que nós temos ouvido é que a Justiça angolana devia se preocupar com de quem é filho e não se cometeu ou não cometeu crime. Portanto, querer fazer da nossa Justiça uma Justiça selectiva é isso. Dizer quem é filho de A ou de B não pode ser ouvido, julgado, condenado pela Justiça por ser  filho de A, B ou C.

Os outros, na visão de quem pensa assim, não têm pai, não têm família? Esses desgraçados que sejam atirados para qualquer sítio?

Ninguém se preocupa com eles, porque não são filhos de A, nem de B? Isto é que ter uma Justiça selectiva e, neste caso, se a Justiça angolana se deixar levar para esse caminho não só passará a ser uma Justiça selectiva, como passará a ser uma Justiça injusta, uma justiça de injustiça. E não é isso que se pretende.

Senhor Presidente, qual é a avaliação que faz da economia angolana, depois da crise provocada pela queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional e do impacto da pandemia da Covid-19?

A economia angolana sofreu bastante com dois golpes bastante duros e disse muito bem. Um deles a baixa do preço do barril do petróleo no mercado internacional, durante anos a fio, e, mais recentemente, com as consequências da pandemia da Covid-19 que paralisou a economia mundial. Portanto, a economia mundial, não apenas a angolana, sofreu um golpe bastante rude, muito severo mesmo. Mas, mesmo assim, modéstia à parte, devemos reconhecer que muito foi feito neste período de crise, quer pela baixa do petróleo, quer pelo surgimento da pandemia da Covid-19, que já dura dois anos. Parecia algo que iria durar meses, acabamos de completar exactamente dois anos. Mesmo assim, considero que nos portamos bem.

Encontrámos uma dívida pública, sobretudo na sua componente externa, bastante grande e, mesmo assim, Angola não foi declarado um país em falta. Conseguimos, entre outros factores, graças ao facto de temos tido a coragem de contra todas as previsões, fazermos um acordo com o FMI. Na altura, quase que nos chamavam malucos. Fizeram do FMI um bicho-papão, porque o acordo com o FMI ia piorar a situação económica de Angola. Mas analisámos os prós e os contras, esteve aqui a presidente do FMI, a senhora Christine Lagarde, convidámo-la, veio a Angola, conversamos com ela de forma muito aberta. A verdade é que hoje estamos a ser premiados pela coragem que tivemos em assinar o acordo com o FMI.

Eu não sei o que seria da economia angolana se não tivéssemos não só assinado, mas cumprido à risca os termos do acordo com o FMI. Isso fez subir a nossa credibilidade, beneficiámos de financiamos do próprio FMI, do Banco Mundial, encorajou os credores internacionais a emitirem Eurobonds para Angola e, portanto, as perspectivas para um futuro breve, estou a referir-me a 2022, são boas. As previsões de crescimento da economia angolana são boas. O país vai crescer, não importa se muito ou pouco, mas o determinante é que vai crescer. Portanto, as perspectivas são boas.

Livramo-nos da colateral petróleo com o Brasil, livramo-nos da colateral petróleo com grupo israelita e, portanto, as perspectivas são boas. Estamos a levar muito a sério o nosso Programa de aumento da produção interna, aumento das exportações, diversificação da economia, empoderamento do nosso sector privado das empresas nacionais, na atracção do investimento estrangeiro, investimento directo estrangeiro. Tudo isso anima-nos. Deixa-nos optimistas, a pensar em dias melhores. Portanto, o que se está a passar com Angola só vem confirmar que, de facto, depois da tempestade, se nos portarmos bem, durante a tempestade, se aguentarmos a tempestade, logo a seguir vem a bonança.

O  FMI reviu em alta a previsão de crescimento económico de Angola de 0,1% este ano. Esta expectativa do FMI e o desembolso de mais 748 milhões de dólares vai permitir ao Executivo continuar a promover reformas estruturais e macro-económicas em 2022, para a criação de emprego na educação, saúde e noutros sectores vitais?

Não é uma questão de promessa. Isso já está a acontecer. Já estamos a fazê-lo e vamos fazer muito mais. Muito recentemente, aprovei a admissão de mais de sete mil profissionais da Saúde que participaram do último concurso público, tiveram boas notas, acima das requeridas, só que o número de vagas disponíveis na altura é que era pequeno, relativamente. Não era assim tão pequeno, mas não cabiam todos os que tiveram nota requerida. O número dos que tiveram a nota requerida era superior ao número de vagas. Então, decidimos, há dias, autorizar o ingresso desses profissionais da saúde. O mesmo se está passar com o sector da Educação.

Mas, voltando ainda à Saúde, o país fez um grande investimento neste sector, está  fazer e continuará fazer. Aliás, aqui mesmo, quando falamos do Grupo Mitrelli, anunciei que só o grupo Mitrelli vai construir seis novas unidades hospitalares grandes. Há um grupo alemão que vai construir três grandes unidades, sendo duas em Luanda, e concluir a grande unidade hospitalar iniciada em Mbanza Congo. Portanto, eles vão concluir.

Dentro de dias, vamos inaugurar, aqui em Luanda, duas grandes unidades hospitalares. Também dentro de dias, vamos inaugurar o grande hospital em Cabinda, construído de raiz. Bom, isso para dizer que essas unidades precisam de quadros. Não basta termos as obras de alvenaria prontas, os edifícios construídos, bem equipados, com tecnologia de ponta, mas precisamos de ter o homem. São muitas unidades. Vêm aí mais, que, pensamos, devem ficar concluídas lá para 23, 24. Precisamos de pessoas qualificadas, formadas, para poderem pôr a funcionar e estarem ao serviço dos necessitados, dos cidadãos.

Vamos continuar a fazer concursos púbicos de admissão de profissionais não só da Saúde, como da Educação. Portanto, o emprego é uma das nossas preocupações. Incentivar o sector privado a criar emprego. Recentemente, o país conseguiu colocar em funcionamento as três grandes unidades têxteis que estiveram paralisadas ou semi-paralisadas durante anos. É o sector privado que está à frente dessas unidades, são empresas privadas que estão a criar empregos directos e indirectos, estão a criar emprego na parte industrial, em Luanda, em Benguela e no Dondo. Mas estão a criar empregos, também, em Malanje, no Cuanza-Sul, em todo o outro sítio onde os camponeses estão a ser incentivados a produzir algodão para alimentar essas indústrias têxteis. E de emprego não é só na indústria, no sector social, Educação e Saúde, noutros sectores. Pescas, Agricultura. O país está a fazer muita agricultura. É pena que não temos muitas unidades de transformação dos produtos do campo. Falamos, há bocado da Leonor Carrinho, é das poucas, em Benguela, cuja vocação é transformação de produtos alimentares, embalagem e transformação de produtos do campo para colocar ao serviço dos consumidores. Portanto, o emprego é algo que nos tira o sono.

“MPLA está preparado para enfrentar o adversário”

Foi eleito há três anos com uma grande dose de esperança de abertura democrática em Angola, mas as expectativas de analistas e de muitos opositores parecem ter saído defraudadas e há quem diga que os ataques judiciais contra o líder da UNITA mostram  os receios do MPLA. Como responde a estas críticas e a quem diz que a união da oposição, liderada por Adalberto Costa Júnior, tem uma oportunidade histórica de conquistar o poder?

Fizemos, de facto, uma grande abertura da nossa sociedade e vou citar apenas alguns factos. Os debates na Assembleia Nacional, sobretudo as plenárias, não eram transmitidos em directo. Hoje são. A Rádio Ecclésia estava praticamente impedida de expandir o sinal para todo o país. Hoje, é livre de o fazer. O próprio reconhecimento público e pedido de perdão, pelas vítimas de um dos conflitos armados que teve lugar depois da nossa Independência, deve ser considerado um sinal claro de abertura. Da forma como apresenta a questão, dizer que houve um recuo, era bom que apresentasse factos. Houve recuo em quê? Em que é que nós recuamos e que já tínhamos avançado? Por acaso, a gente disse à Assembleia Nacional para deixar de emitir em directo? Não. Dissemos à Rádio Ecclésia que, a partir de agora, damos o dito por não dito, recua, não há transmissão a nível de todo o território? Não. É um bocado quando se fala da luta contra a corrupção. Muitos dizem que começou bem, mas agora está a recuar. Qual é o recuo que há no combate à corrupção? Qual é o recuo que há na abertura democrática no país? Dêem-me factos. Eu não conheço.

Bom, a oposição vê nessas eleições, aliás, em todas, uma oportunidade de chegar ao poder. Desde as primeiras eleições, em 1992, que a oposição, de forma errada, má avaliação do teatro das operações, dizia que o MPLA não tinha hipóteses. O simples facto de até àquela altura ter sido partido único, com a abertura para o multipartidarismo, antes das eleições acontecerem, já diziam “calças novas em Setembro”. Não aconteceu, nem nas seguintes. Portanto, acredito que, mais uma vez, também para essas eleições, continua haver essa má avaliação do teatro das operações.

Não sei se mobilizar jovens para praticar actos de vandalismo, arruaças, é um sinal de que a oposição está forte. Se a oposição só sabe fazer isso, então acredito que seja, mais uma vez, um erro de avaliação. Se pôr jovens descontentes na rua a queimar pneus, a partir vidros de carros, é um sinal de que o descontentamento contra o MPLA é assim tão grande, que vão derrotar o MPLA nas próximas eleições, é bom que continuem a pensar assim.

No fundo, o simples facto de o nosso principal adversário recorrer a uma espécie de coligação que estão a chamar de Frente Patriótica Unida, não sei se já está decidido ou não, só eles é que sabem, ainda não chegou a altura da apresentação das candidaturas, para enfrentar o MPLA, significa que, se calhar, estão pior do que estavam nas eleições anteriores.

Se nas eleições anteriores sentiam-se suficientemente fortes para, individualmente, enfrentar o MPLA e hoje acham que não, então, não precisa dizer mais nada. Está aí o sinal de reconhecimento, da parte deles próprios, de que sozinhos talvez não vençam o MPLA.

Precisam de se coligar. Então que se coliguem. Num jogo, a gente não escolhe o adversário. Nunca ninguém do 1º de Agosto diz ao Petro de Luanda, no jogo do próximo domingo tem que alinhar o António, Fernando e Joaquim.

O Petro de Luanda é que sabe quem é que vai alinhar. Então, a oposição, também, sabe quem vai alinhar. Quem será o líder, os jogadores, se para o ringue vem um apenas ou se vão entrar três contra um, quatro contra um. A única garantia que vos dou é que o MPLA está preparado para enfrentar o adversário, quer se apresente sozinho, quer se apresente coligado. A oportunidade de ganhar existe sempre. Tudo depende da postura do jogador, como é que joga, como se prepara. Nós estamos a ver como é que se estão a preparar, a queimar pneus e a partir vidros de carros. Todo o mundo está a ver. A oportunidade está aí. É igual para todos os concorrentes, todos os jogadores. As pessoas devem ter em mente que eleitor, que é o nosso juiz, não é burro nenhum. Sabe fazer as suas leituras e não vai entregar a vitória a um concorrente só porque acha que chegou “a minha vez, que estou no direito de agora vencer as eleições”. Todos estão no direito de vencer as eleições, ninguém diz o contrário, mas só estar no direito não chega. Está no direito, desde que  candidatura seja aprovada no Tribunal Constitucional, está no direito. Daí para frente depende do que se vai passar no terreno.

“Combato e desencorajo culto à personalidade  à bajulação”

O que se diz hoje é que o Senhor Presidente, ao longo deste primeiro mandato, terá investido mais do que se fez em 30 anos no sector da saúde, construindo hospitais, centros de saúde e postos médicos, bem como na formação de quadros. Pelo menos é o que escreveu há dias o jornalista Gustavo Costa. Contudo, os profissionais desse sector, entre eles médicos e enfermeiros, queixam-se de más condições de trabalho e salariais. O que é que o Senhor Presidente sentiu, quando, ao radiografar o sector recentemente, ao chegar ao Hospital Américo Boavida, encontrou os médicos empunhando cartazes a reivindicarem essas melhorias e anunciarem que estavam em greve?

Bom, diz e muito bem que o investimentos nesse sector não podem ser só no betão, nas infra-estruturas, tem que ser, também, no homem. E um dos investimentos que estamos a fazer no homem, e isso tem custo para o Orçamento do Estado, são os tais concursos públicos de admissão massiva de quadros da Saúde e da Educação. Isso também é um investimento. É evidente que o investimento começa no homem, na formação, mas a formação é um investimento a médio e longo prazo. O investimento imediato que tem sido feito, sobretudo, é o de retirar do desemprego profissionais desses dois sectores, que são sensíveis, e colocá-los a trabalhar, a fazer o que aprenderam a fazer.

Visitámos, recentemente, o Hospital Américo Boavida e a Maternidade Lucrécia Paim. O Américo Boavida visitámos pela segunda vez no meu mandato. A primeira visita foi exactamente no mesmo ano em que visitámos o antigo Sanatório, hoje Dom Alexandre do Nascimento. Está pronto. Em 2018, quando visitei os dois, a orientação que dei em relação ao Sanatório foi a mesma em relação ao Américo Boavida. Havia necessidade urgente de se reabilitar o Américo Boavida. Qualquer coisa correu mal e a verdade é que as obras de reabilitação do Américo Boavida não começaram, passados três anos. Um ficou concluído, foi restaurado, ampliado, com uma parte nova e é o gigante que a gente viu. O outro nem sequer começou. Portanto, temos que reconhecer que, talvez, por razões burocráticas e outras dificuldades em conseguir financiamento, se calhar não encontrámos um empreiteiro com músculo financeiro suficiente para avançar com a obra sem garantia de financiamento.

O Américo Boavida está pior do que estava em 2018. É o que constatei agora. Mas estamos a fazer tudo, porque, embora esteja muito atrasado, as condições precedentes para o início duma empreitada estão quase todas preenchidas, com a excepção do visto do Tribunal de Contas, o que vai acontecer nos próximos dias. Este é o único handicap que temos em relação ao início da obra de reabilitação do Américo Boavida.

Portanto, se o visto do Tribunal de Contas sair agora, todas as outras condições precedentes estão reunidas, a obra vai começar. Só que começar uma obra leva dois a três anos. Só daqui a três anos é que teremos um novo Hospital Américo Boavida. Vamos ter, isso garanto. Felizmente, temos novas unidades hospitalares, portanto, se houver necessidade de se evacuar os doentes do Américo Boavida, temos onde coloca-los. Não nos falta sítio para realojar os doentes do Américo Boavida, no sentido de permitir o bom andamento das obras, se for o caso disso.

Investimento no homem, condições de trabalho, condições salariais é evidente que todo o Governo trabalha para o bem-estar dos cidadãos, no geral, e, em particular, para os trabalhadores. Não especificamente de um sector profissional, não é apenas a Saúde. Um pai tem que olhar para todos os filhos. Portanto, isto não é preciso que nos recordem. Com greve ou não greve, há necessidade de olharmos para esse aspecto. Mas tratando-se de uma despesa, estou a referir-me ao salário, significa que carece de estudo e de uma cautela, antes que se anuncie se vai haver ou não aumento salarial, sob pena de existir esse compromisso e logo a seguir não ser cumprido, o que seria pior, além de que temos duas situações em que é preciso ir buscar do desemprego um número grande de profissionais por acaso da mesma área, a Saúde.

E é preciso olhar para um todo em termos de melhoramento das condições dos trabalhadores e não apenas do sector da Saúde. Portanto, este tipo de despesa, que toca directamente com o cidadão, com a pessoa, com o ser humano, deve ser vista com bastante seriedade. Não se pode prometer e não cumprir, não se pode começar a pagar  um novo salário e depois ficar descontinuado por falta de recursos e muito menos recorrer-se a empréstimo para pagar salários. Felizmente, isso não aconteceu nesses quatro anos. Não tivemos necessidade de recorrer a empréstimos para pagar salários, o que seria muito grave. Então, o que quero dizer é que a preocupação da garantia do poder de compra do cidadão é permanente, aliás há aí sinais em como, sem mexer no salário, também se pode equilibrar, digamos, o poder de compra dos cidadãos. As medidas fiscais, que tomámos há bem pouco tempo, no decorrer do ano passado, com a redução para metade do valor do IVA, enquadram-se no interesse de proteger o poder de compra dos trabalhadores.

Outra questão tem a ver com o aumento do culto da personalidade nos últimos dois anos, suportados pela linha editorial dos principais órgãos de comunicação social e pelas declarações públicas dos ministros e dos  presidentes das empresas públicas, que voltaram ao discurso do passado, de que tudo o que fazem é com a “sábia orientação do Presidente da República”. Isso não descredibiliza as instituições e desresponsabiliza os envolvidos? Isso não é prejudicial para uma cultura de meritocracia que o Governo quer implantar no País?

Eu combato e desencorajo, quer o culto à personalidade, quer a bajulação. E combato com actos concretos e não apenas com discursos, como sói dizer-se. O culto à personalidade e a bajulação são nefastos e é por isso que, se repararem bem, o povo angolano habituou-se a ver na nota do Kwanza os rostos dos Presidentes da República de Angola. Agora veria mais um. Se eu fosse a favor da bajulação, do culto à personalidade, os kwanzas que tem no bolso teriam lá a minha cara, mas não tem. E eu é que sou o Presidente. Não precisava de fazer nada. Era só ficar calado e essa terceira cara, que é a minha, apareceria, mas fui quem, em Conselho de Ministros, impediu que tal acontecesse. Este é apenas um exemplo, mas acho que é muito significativo para dizer, não por palavras, que eu sou, efectivamente, contra o culto à personalidade e à bajulação. Agora, não posso ser responsável pelo que os outros dizem e fazem. Eu não encorajo, mas se eles o fizerem não sei que medidas a gente vai tomar. Crime não é. Não sendo crime, bom, é mesmo só uma questão de educação,  mudança de mentalidade. Infelizmente, às vezes não se muda de um dia para o outro. Importante é que a semente está lançada, a de combate ao culto à personalidade e à bajulação. Portanto, vamos nos próximos tempos ver se as mentalidades mudam ou não. Espero bem que sim.

O Projecto da nova Divisão Administrativa suscitou um debate aceso no seio da sociedade angolana, com uns a favor e outros contra. Em que pé está o processo e se vai avançar antes das eleições?

Creio que já viemos a público esclarecer esta situação. Se não estou em erro, foi numa reunião do Conselho da República. E o que dissemos, na altura, e foi público, é que a Divisão Político-Administrativa é da responsabilidade do Executivo, pelo menos a iniciativa, porque depois tem de ser transformado em lei e ser aprovado no Parlamento.

Isto não aconteceu e foi dito que não vai acontecer logo. O que se passou foi a manifestação da intenção da parte de quem é competente de o fazer, o Executivo, e a auscultação pública que foi feita. E não é tudo. Portanto, as populações dessas províncias, que foram ouvidas, em princípio, vão se respeitar o essencial do que se colheu, mas não é tudo. É preciso que, quando se julgar oportuno, se faça a alteração da proposta e se leve ao Parlamento, a quem compete aprovar ou não.

Além disso, uma nova divisão político-administrativa implica a criação de novas infra-estruturas, sobretudo, as localidades que serão as capitais das futuras províncias. Têm que ter um mínimo de infra-estruturas a sede de uma província. Para tal, precisa de um orçamento, de recursos para o fazer, começando com duas, três, quatro ou com as cinco de uma só vez. Nessa altura, no Conselho da República foi dito que não só não era nossa intenção, como nem seria possível caso desejássemos, antes das próximas eleições. As próximas eleições não são daqui a sete anos, são daqui a sete ou oito meses. Felizmente, a nova Constituição já estabelece o mês exacto em que as eleições devem ter lugar. É o mês de Agosto. Vão ser em Agosto do corrente ano. Que ninguém tenha dúvidas de que vão ser em Agosto do corrente ano. Quem quiser concorrer, que se prepare e concorra. Agora, a nova divisão político-administrativa não vai acontecer nessa altura, sobretudo, pela necessidade de mobilização de recursos para iniciarem as tais infra-estruturas mínimas para as futuras sedes provinciais que vierem a ser aprovadas.

O nosso país está entre as três maiores economias da África subsaariana e a crescer 0,4 por cento. A Nigéria cresce 2,4% e a África do Sul a 4,6%. Angola está a recuperar e a ser elogiada por aproveitar a oportunidade da crise pandémica para promover reformas estruturais e macroeconómicas. Assiste-se à valorização do Kwanza face ao dólar e ao Euro. Mas a nossa economia sofre por falta de disciplina fiscal, o peso da dívida é uma realidade e está reflectida no OGE 2022. Pergunto: haverá margem para aumento de salários em 2022?

Creio já me ter pronunciado sobre essa questão da probabilidade ou não haver aumento salarial este ano. Em princípio, não repetir o que disse, apenas dizer que isso constitui uma despesa que não é pequena, é grande. Portanto, uma dimensão e o momento de assumir essa despesa deve ser ponderada, na medida em que esse tipo de despesa mexe com a vida das pessoas e, portanto, tem que ter sustentabilidade. A solução que se deve encontrar para que ela tenha sustentabilidade é que não abranja apenas uma ou duas classes de profissionais. Temos que pensar no todo. Portanto, têm calma, nada de assumir compromissos irreflectidos, dos quais depois podemos vir a nos arrepender.

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